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Resistência e ação: o teatro nas pequenas cidades

Por Blog Acesso

Entre as metas do Plano Nacional de Cultura – PNC está o aumento em 30% do número de municípios brasileiros com grupos em atividade na área de teatro – e outras expressões artísticas – até 2020. De acordo com o documento, “esta meta refere-se à valorização dos grupos de criadores locais e ao estímulo à experimentação artística de caráter profissional ou amador”. Na prática, fora do eixo de circulação e visibilidade das metrópoles, há grupos que atuam pelo fomento ao teatro e batalham de diversas formas por recursos para manterem-se ativos e ao alcance da população.
Teatro Municipal Dr. Armando de Ré, na cidade de Suzano (SP), foi palco da estreia do espetáculo O Velório, do grupo Teatro da Neura. Somente nos três primeiros dias, mais de mil expectadores assistiram a apresentação gratuita do grupo, o primeiro da região do Alto Tietê a ser contemplado pelo Programa de Ação Cultural – ProAC. Ao longo dos próximos meses, conforme previsto pelo programa, o grupo irá levar o espetáculo para municípios com menos de 500 mil habitantes, com o objetivo de fomentar a produção cultural e artística no estado de São Paulo.
Com nove anos de existência, o Teatro da Neura já enfrentou diversas dificuldades para manter as atividades. Somente o período de pesquisa e montagem de O Velório durou aproximadamente 18 meses. Segundo o dramaturgo e diretor doTeatro da Neura, Antonio Nicodemo, o ProAC abriu novas portas, mas o espetáculo iria sair de qualquer jeito. “Nós iniciamos a pesquisa tirando dinheiro do próprio bolso e do caixa do teatro. Este espetáculo é o primeiro da Trilogia dos Sacros Diase as três histórias se passam no fim da quaresma e início da Semana Santa. Para oNeura e para grande parte dos grupos do Alto Tietê – são cerca de 20, alguns com até 20 anos de estrada – era muito comum o ‘produzir para a produção’. Sempre temos que fazer algum espetáculo do repertório, rifas, festas e saraus para conseguir dinheiro para conseguir fundos. Nem sempre é possível trazer o ideal para a cena e isso foi outra coisa que a gente conseguiu com o ProAC, tudo o que idealizamos foi feito e isso ainda é muito novo para a gente ”, relatou Nicodemo.
Nicodemo conta que para estrear no Teatro Municipal foram necessárias muitas reuniões com a gestão administrativa. Durante esse período, os ensaios foram realizados em espaços improvisados. Somente um dia antes da estreia o grupo pode testar o local da apresentação. “Fazíamos os ensaios no Galpão das Artes, junto com 14 grupos que se revezam para cuidar desse lugar alugado pela Secretaria de Cultura. Era onde a gente conseguia se reunir, ensaiar e estrear. Com a troca de gestão, todos os espaços culturais, que no total eram cinco, foram cancelados. Hoje, para a apresentação, só temos o Teatro Municipal, que cobra uma taxa da qual somente após muita insistência conseguimos isenção”, disse.
Um coletivo de artistas de Suzano irá inaugurar a Casa da Coruja Múltiplas Artes, no centro da cidade. O Teatro da Neura participa da ação, que irá dividir o aluguel da casa entre os grupos que perderam seu espaço de trabalho. Segundo Nicodemo, a iniciativa é uma forma de resistência, uma vez que, para a cidade, as sextas, sábados e domingos já eram tidos como dias para se frequentar o teatro. Segundo o diretor, o interesse do público é o que motiva os artistas. Procurada pelo blogAcesso, a administração do município não emitiu resposta até o fechamento desta matéria.
No ano de 2008, na cidade de Jundiaí (SP), com o slogan “não somos um espaço alternativo, mas uma alternativa de espaço”, o Ateliê Casarão surgiu de maneira semelhante à Casa da Coruja, para disponibilizar um espaço físico aos artistas. Frequentada por coletivos de artistas e amigos, a casa do também artista Claudio de Albuquerque tornou-se referência para os apaixonados por arte na região. “Muitos artistas se envolveram pela resistência cultural. Durante todo esse tempo, o espaço sempre foi mantido por amigos, pelas pessoas que frequentam os eventos e as oficinas e fazem doações de móveis, alimentos, adereços, livros e DVDs. Todo esse material a gente empresta, temos textos teatrais e de leitura técnica. O Casarãoterminou sendo um ponto de circulação de artistas, de frequentadores e de gente que gosta de compartilhar”, explicou Albuquerque.
O artista conta que a troca é ponto essencial do Ateliê Casarão e os grupos da região sabem que têm ali um espaço para ensaiar, interagir e trocar experiências. “É isso que faz a arte aflorar. A vontade é sempre maior, mesmo que levantemos apenas o mínimo de recursos. Não dá para esperar uma verba orçamentária, seja ela particular ou pública”, disse Albuquerque. “Nós, como artistas, temos que nos colocar como instrumento de sensibilidade, não o contrário. Estamos há quase cinco anos assim. A casa já quase fechou, mas sempre há grupos que trazem seus espetáculos para apresentar e colaboram com o aluguel e com o coletivo”, completou.
Com três integrantes, o Grupo Xama Teatro transita entre a área do teatro e a da educação e realiza trabalho voltado ao ator narrador, às pesquisas e à contação de histórias na cidade de São Luiz (MA). A artista carioca Renata Figueiredo vive há dois anos no Maranhão e conta que oberva as diferenças de incentivo quando compara as diversas cidades brasileiras em que já atuou. “Ao mesmo tempo em que é mais difícil porque há menos fomento local e menos legislação voltada para a área, temos um campo propício, pois a competição é menor, há um número pequeno de companhias organizadas trabalhando. Ainda assim, a gente esbarra em diversas dificuldades”, disse Figueiredo. Segundo a artista, em São Luiz, o acesso à mídia para divulgação é mais fácil e a cultura popular está mais próxima do trabalho. Por outro lado, falta fomento local. “A aprovação do edital municipal saiu há pouco tempo. Temos o nosso campo de trabalho com os editais do Ministério da Cultura – MInC. Este ano, ganhamos o edital Arte na Rua, da Fundação Nacional das Artes –Funarte, mas a gente sempre acaba competindo com o Brasil inteiro ou com toda a região Nordeste”.
Por meio do apoio financeiro da Funarte, o grupo circulou por São Luiz e pelo interior do Maranhão. Segundo Figueiredo, foi um período em que foi possível sentir a carência da população pelo teatro. “Onde o acesso é mais difícil e não há grandes espetáculos somos muito bem recebidos. Levamos o nosso espetáculo de rua para comunidades onde não havia teatro, onde as pessoas não tinham tido contato com essa forma de arte. Nas comunidades quilombolas pelas quais passamos, as pessoas levaram seus instrumentos musicais e tocaram junto com a apresentação, já que a referência deles é a cultura popular, onde todos participam”, conta Figueiredo.
Pamella Indaiá / Blog Acesso
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