Xama na Rota dos Rios da Amazônia 2020
2019 não foi um ano fácil para nós do Xama Teatro. Depois de seis anos realizando várias circulações com nossos espetáculos, não tivemos nenhum grande projeto aprovado, mas acostumados a segurar o leme em mares revoltos, seguimos e adentramos 2020 com a notícia da aprovação no Edital do Banco da Amazônia para realizar o projeto Xama na Rota dos Rios da Amazônia, através do qual circularíamos por cidades do Pará e da Amazônia com A Carroça é Nossa e As três Fiandeiras. Entretanto, a pandemia do COVID 19 chegou ao Brasil e interrompeu nossos sonhos, exigindo de nós todo o esforço de reinvenção. Nós que sempre trabalhamos para unir pessoas, para dar às mãos, para estar junto, tivemos que nos isolar. Nós que advogamos pela presença física, pelo abraço e pela força da palavra viva, tivemos que nos resguardar em casa e interromper nossas apresentações públicas, e assim fizemos. Por Amor ao próximo e pela vida.
No
isolamento fizemos nossa arte. Ocupamos os espaços virtuais, escrevemos, lemos,
fizemos música, cena e poesia, seguimos de acordo com as marés desafiadoras do
nosso tempo. No meio do ano, recebemos um contato do Banco da Amazônia onde
vimos a possibilidade de realizar a temporada desde que fizéssemos adaptações
de acordo com as normas de segurança sanitária para evitar o contágio do Corona
vírus. Era a chance do teatro se reinventar mais uma vez e, como outros setores
econômicos estavam retomando suas atividades, à partir de adaptações frente às
exigências sanitárias, nós resolvemos bancar o desafio. Apesar das dúvidas e
das inseguranças percebemos que de alguma forma, era necessário promover esse
encontro através da Arte. E assim fizemos. Tivemos que fazer muitas mudanças no
projeto inicial, optamos em cancelar as atividades nas localidades onde a
pandemia estava lotando os hospitais e limitamos a turnê pelas cidades do Pará,
onde naquele momento, a crise estava mais controlada. Substituímos o trajeto
que seria feito de avião por uma van alugada e fretada somente para o grupo, e
mesmo nos barcos, onde havia fluxo de outras pessoas, permanecemos de máscaras
em tempo integral e evitávamos a troca interpessoal com os outros tripulantes.
Além disso, os espetáculos aconteceram para público limitadíssimo, respeitando
o distanciamento social e com distribuição de máscaras e álcool gel. Também
realizamos testes de COVID em todo o grupo na ida e na volta da circulação.
Foram
muitas mudanças na nossa conduta. Nunca fomos um grupo voltado para atrair
grandes multidões, nosso trabalho é um tanto intimista. Não utilizamos
microfones no espetáculo de rua (A Carroça é Nossa), e As três Fiandeiras,
desde a sua concepção foi feito para público limitado. Entretanto, nossa
relação com a plateia sempre foi direta e próxima. Por conta da necessidade de
distanciamento social, tivemos que nos afastar do público, o que interferiu na
emissão vocal e gestual sobre a qual construímos nosso repertório. Até nossas
expectativas mudaram: antes da pandemia nos preocupávamos em atrair o máximo
possível de pessoas, nesta circulação, nos preocupava o contrário, não
queríamos, de jeito nenhum, cau
Felizmente,
a despeito do nosso medo e da insegurança, tudo funcionou da melhor forma que
poderia acontecer diante das condições históricas, políticas e sociais que
vivemos agora. Os abraços pós apresentações foram distantes, substituímos pela
troca de palavras e olhares e nos relatos que escutamos houveram muitos
agradecimentos pelas mensagens que deixamos, realmente o público estava ávido
pelo encontro. Em Belém, na comunidade onde apresentamos, ouvimos a diretora da
escola dizer da importância da nossa presença: “a pandemia retirou destes
jovens a única coisa que eles tinham; a rua. Vocês aqui, trazem a esperança da
união, da coletividade”. Isso nos fez refletir que a pandemia não ameaça
somente pelo ponto de vista da saúde física, mas envolve também a saúde mental
da população. Nesse sentido, como artistas de teatro, que somos, precisamos
ficar atentos para ocupar espaços de trégua, onde haja, mesmo que precisemos
nos adaptar e sair do conforto em relação à nossa conduta e ao nosso
repertório. Nada substitui o encontro. Sabíamos que a empreitada exigia de nós
ética, cuidado, união, força e comprometimento. Fizemos o pacto. Foi bom, forte
e necessário, não só nos fortaleceu enquanto grupo teatral, como levou às
comunidades visitadas uma mensagem de Fé e Esperança, tão importantes nessa
travessia coletiva na busca da cura. E cumprimos nossa jornada, do jeito que
nos foi possível. E valeu á pena. Somos buscadores do sonho e da liberdade e
como diria o poeta Manoel de Barros: “Liberdade caça jeito.” É verdade.
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